quarta-feira, 21 de abril de 2010

Radica



Quando estava desenhando a família institucional, a Radica se chamava originalmente Democracia Direta e Radical (está assim no desenho da genealogia da família), mas como a democracia direta antecede todas as instituições vivas da família, inclusive os próprios pais da Radica, o "Direta" fica só na certidão de nascimento, em homenagem a sua avó materna, Democracia Ateniense (e mesmo assim a idéia de democracia radical não se restringe ao âmbito instrumental de democracia direta, assembleísta, onde todos os participantes que serão afetados pelas decisões públicas são também os próprios tomadores de decisões).

A idéia contemporânea de democracia radical diz respeito principalmente à inclusão, à convivência e à expressão da diversidade e das diferenças de sociedades ocidentais modernas no mundo político. Essa idéia, em meu ponto de vista, revoluciona muito a vida pública, e inclusive o próprio conceito de política (ver Chantal Mouffe e Ernesto Laclau).

Quando desenhei a Radica e o Sufrágio, a questão das idades me agoniou um pouco, pois a idéia de sufrágio universal historicamente surge bem antes da democracia radical contemporânea que a Radica expressa, mas no final preferi priorizar o tema em detrimento da história nessa questão específica. Fazer um paralelo entre a idade do Sufrágio e a periodicidade das eleições no Brasil era mais importante, e além disso, seria bom que a Radica tivesse uma idade que permitisse um mundo interior relativamente mais independente de crianças de 10 anos. Nessas horas percebemos que, no mundo da imaginação, o rigor histórico pode acabar engessando a criação, e preferi permitir um pouco de flexibilidade às exigências que eu mesma criei (afinal, toda a família insitutucional tem inspiração teórica, quase na forma de tipos ideais ilustrados , mas obviamente não são literais e jamais poderiam substituir estudos acadêmicos, conceitos e teorias de fato e nem estudos sistemáticos, pois este não é um trabalho científico - é apenas uma forma de reflexão sobre política e humanidades em geral pela via dos desenhos).

Sobre a personagem, a Radica é muito livre, fala o que pensa, só anda descalça, de skate ou patins, e tem opiniões e vontades firmes - às vezes até demais. O que mais caracteriza sua personalidade é uma obsessão por questionamentos. Ela não lida bem com hierarquia e, pré-adolescente, contesta a mãe e o pai o tempo todo, mas de um jeito ingênuo e ainda infantil. Está sempre pronta para desafiar os irmãos mais velhos, com quem geralmente briga (seu irmão Quadros inclusive se refere a ela como "Autoengano") , e não esconde que tem mais carinho pelo Sufrágio. Tem cabelos ruivos enormes, esvoaçantes e cacheados. Embora esses quadrinhos ainda não tenham cor, os cabelos da Radica são laranja-fogo, representado o fogo do cerrado que renova as plantas (mas não é o fogo criminoso destrutivo às vezes vivenciamos por aqui). Além disso, esse tipo de cabelo é uma homenagem a Boudicca, rainha celta que sempre me impressionou desde a infância, e cuja vida e valores tribais afirmaram o poder feminino que foi praticamente destruído pela expansão do Império Romano. Embora não seja uma rainha ibérica ou africana ou indígena, as raízes de Portugal também tem origem celta (ver Raymundo Faoro). Assim, a história da Boudicca também aparece na Radica, mostrando a afirmação de uma minoria feminina em cenários políticos de hegemonia institucional masculina.

Por fim, Radica gosta de esportes radicais, é secretamente apaixonada por Malawi, um menino africano, e tem um casal de calangos de estimação, Palavrinha e Palavrão, que às vezes descansam em seus ombros. Esses nomes dos calangos reforçam o poder das palavras nas democracias e seu uso como instrumento político, e tematizam estereótipos de gênero.

2 comentários:

PHEULiz disse...

Ideia sensacional! Adorei os quadrinhos e consigo vê-los no youtube n´roll!

Paola Ranova disse...

Hehe! Obrigada Pheu!!! Vai ser legal, em breve, mais tiras. Beijos!